A nove meses do Mundial, Brasil aplica novas maneiras de jogar e mantém portas abertas para oportunidades. Uma conquista do trabalho de longo prazo
Quanto mais fica próximo o pontapé inicial da Copa do Mundo do Catar, mais alternativas Tite leva a campo na seleção brasileira. Eis a consequência natural do processo de manutenção de um treinador por longo prazo: a segurança para desviar do caminho, buscar atalhos, rotas mais bonitas, com menos buracos, e ainda assim ter a convicção de alcançar o destino.
Na vitória por 4 a 0 sobre o Paraguai, o treinador escalou algo que poderia ser um recurso somente adotado durante as partidas, em caso de necessidade: Paquetá como segundo homem de meio-campo, alinhado a Fabinho nos momentos sem bola – raríssimos, o que, de certa forma, compromete a avaliação defensiva (a posse brasileira foi de 75%).
Some-se a isso as presenças de Philippe Coutinho e Daniel Alves, e o Brasil teve seu time com maior capacidade individual de construção em muito tempo. Na saída de jogo, Dani juntava-se a Fabinho como meio-campista. Marquinhos e Thiago Silva conduziam a primeira bola, e Alex Telles fazia papel de apoio, ora aos zagueiros, ora a Dani e Fabinho.
Os pontas Raphinha e Vinicius Jr. alargavam o campo, bem próximos das linhas laterais, gerando assim espaços para Paquetá se juntar a Coutinho, nas costas do meio-campo paraguaio. Matheus Cunha era o homem mais avançado, embora sua movimentação inteligente – e nesse quesito nenhum outro concorrente da função consegue superá-lo – fosse capaz de produzir situações como o primeiro gol, de Raphinha, e outro perdido de forma inacreditável pelo mesmo atacante do Leeds, um dos melhores em campo, após passe de Vini.
Mais interessante do que a boa atuação brasileira ou a fragilidade do pior Paraguai dos últimos tempos é observar, repito, a segurança da comissão técnica em não se fechar a novas oportunidades. Pelo contrário, criar alternativas a nove meses do Mundial – e até lá o Brasil pode fazer de seis a oito partidas, nada mais.
Isso só é possível por causa da repetição de métodos, do estabelecimento de padrões, do conhecimento recíproco entre treinador e jogadores. Enfim, do tempo.
Para 2018, Tite assumiu em situação emergencial, com a equipe fora da zona de classificação e praticando péssimo futebol. A Seleção encontrou o trilho tão rapidamente que parecia um risco alto buscar alternativas. Acontece que riscos, neste nível de competição, são inevitáveis: surgiram as lesões de Neymar e Daniel Alves, e a queda física de Renato Augusto. O trem chegou capenga à estação derradeira.
Dessa vez, o Brasil parece mais preparado para imprevistos. Os conceitos estão estabelecidos e sobrevivem à maioria das alternativas de escalação e sistema – nem todas se mostraram bem-sucedidas, e é preciso entender que no futebol de seleções, onde pouquíssimo se treina, não há outra maneira de descobrir o que dá certo ou errado, além dos jogos.
Em meio a boas sensações vindas do Mineirão, a principal dúvida em torno do uso deste modelo reside na questão defensiva. Nas poucas ações de ataque, o Paraguai escolheu o caminho óbvio: explorar as costas de Daniel Alves.
Se quando o Brasil tinha a bola o veterano era, por definição de estratégia, e não ímpeto próprio, um meio-campista, significa que no momento da perda da posse era preciso percorrer uma distância para se reposicionar como lateral-direito. Aos 38 anos, sua velocidade, obviamente, não é a mesma.
É preciso prever que um adversário com transições mais fortes e jogadores de potência possam encontrar espaços perigosíssimos nesse conjunto de movimentações.
Ofensivamente, foram animadoras as possibilidades de triangulações pelos lados, marca registrada dos melhores times de Tite: Dani Alves, Paquetá e Raphinha na direita; Alex Telles, Coutinho e Vinicius Jr. na esquerda.
Coutinho, aliás, transformou expectativa em realidade. O golaço foi a cereja do bolo. Bons passes, dribles, mobilidade e aproximação, naturalidade para receber de costas e girar rapidamente para ver o jogo de frente. Lembrou o velho Philippe. O Paraguai não é parâmetro? Para determinadas avaliações, de fato, merece a relativização.
Mas Coutinho, agora, precisa mais de confiança do que de parâmetro. Já disputou uma Copa em alto nível e fez o Barcelona investir milhões em seu futebol. É hora de conhecer o novo jeito do time, os novos companheiros – Vinicius, por sinal, se sentiu muito à vontade para atacar o espaço quando a bola estava nos pés de Coutinho. Sabia que ela iria chegar.
Se for de interesse da comissão técnica avaliar essa formação num cenário mais competitivo, o próximo desafio, no dia 24 de março, apresenta-se oportuno. O Chile precisará de um bom resultado para manter suas chances de ir à Copa. Com jogadores talentosos, como Alexis Sánchez, Vidal e Brereton Díaz, a melhor novidade de uma nova geração menos talentosa do que a anterior, tem material para causar maiores danos.
É impossível determinar o destino do Brasil – e de qualquer outro – na Copa, mas a forma como Tite sente-se à vontade para escalar somente um volante, lançar Rodrygo, guardar Fred, estabelecido, e postergar definições, sobretudo no ataque, passa a sensação de controle da situação. Num jogo de resultados incontroláveis, é o que se pode ter de melhor.
Por fim: Marquinhos!!! Duas assistências. Pelo alto, pelo chão. Que jogador!!!
Fonte: ge