“O grupo de generais em vias de serem indiciados estava fadado ao fracasso porque o mundo mudou e a democracia brasileira tem instituições mais fortes do que imaginavam”, observa o jornalista
A CPMI se reúne hoje, novamente, para apreciar o relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais 60 pessoas por tentativa de golpe de estado, em 8 de janeiro deste ano, quando foram invadidos e vandalizados os palácios do Executivo, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Oito generais e um almirante, entre 22 militares de diversas patentes, e mais oficiais do alto escalão da Polícia Militar do Distrito Federal, policiais federais e rodoviários, empresários, um influenciador e a deputada Carla Zambelli (PL-SP) foram indiciados.
Os deputados e senadores de oposição apresentaram um relatório alternativo, no qual culpam o governo Lula pelos acontecimentos e pedem o indiciamento do ministro da Justiça, Flávio Dino; do general Gonçalves Dias, então o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura Cunha; e do ex-subcomandante da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), coronel Klepter Rosa Barbosa. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) também pretende apresentar um relatório paralelo, que acusa o governo Lula de omissão diante das falhas no sistema de segurança encarregado de guarnecer externamente os Três Poderes.
O relatório de Eliziane é uma peça política robusta, em defesa da democracia, que irá para os anais da história da República, mas que precisa ainda ser aprovado pela Comissão. Caso isso ocorra, como previsto, os relatórios apresentados pela bancada bolsonaristas e por Izalci não serão apreciados.
O ineditismo está no pedido de indiciamento dos generais Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Luís Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Freire Gomes, ex-comandante do Exército; Ridauto Lúcio Fernandes; Carlos José Penteado, ex-secretário-executivo do GSI; e Carlos Feitosa Rodrigues, ex-chefe da Secretaria de Coordenação e Segurança Presidencial do GSI; além do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
A aprovação do relatório será um marco histórico em relação ao tratamento dado aos militares de alta patente pelo Congresso, porque os sequestros e assassinatos cometidos durante o regime militar não formam punidos, em razão da Lei da Anistia. É um resultado surpreendente, primeiro, porque a CPMI foi requerida pela oposição e, ao final, virou-se contra Bolsonaro e seus aliados. Segundo, porque a CPMI evitou constranger os generais em audiências, mas eles foram indiciados em razão das provas que foram reunidas.
Os atuais comandantes militares lavaram as mãos em relação aos colegas, depois da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Até então, nos bastidores, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ainda trabalhava para evitar o indiciamento dos generais.
O fracasso golpista
Onde entram os “cavaleiros húngaros”? Em agosto de 2021, o confronto entre Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal estava instalado, culminando com as manifestações do 7 de setembro daquele ano, com os ataques e ameaças do presidente ao ministro Alexandre de Moraes, o que provocou dura reação do presidente da Corte, ministro Luiz Fux. Bolsonaro escalara as tensões com o STF para provocar uma crise institucional e mudar as regras do jogo das eleições de 2022, com apoio das Forças Armadas, o que não ocorreu.
Entretanto, as investigações sobre os acontecimentos de 8 de janeiro mostraram que havia uma conspiração golpista em curso, que não envolveu todo o alto comando das FAs, mas contou com a participação direta ou omissão de ocupantes dos altos escalões do Palácio do Planalto, dos ex-comandantes do Exército e da Marinha; dos diretores das polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF); dos comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que é policial federal.
Bolsonaro explorava as insatisfações da cúpula militar com o STF por causa da anulação das condenações do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já era o favorito nas pesquisas eleitorais desde 2021. Na ocasião, comparei o envolvimento desses militares com o projeto golpista a um episódio da Guerra dos 30 Anos (1618-1648), que conflagrou a Europa. Um grupo de 45 cavaleiros húngaros, com suas armaduras, durante seis meses aterrorizou o condado de Flandres, a região flamenca da Bélgica. São citados pelo pensador italiano Antônio Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, que indagava: “Como conseguiram? Como e por que o grande número, mais forte, se submete ao pequeno?”
No caso do 8 de janeiro, os “cavaleiros húngaros” não conseguiram. O grupo de generais em vias de serem indiciados pela pela CPMI do 8 de janeiro, saudosista do regime militar, estava fadado ao fracasso porque o mundo mudou e a democracia brasileira tem instituições mais fortes do que imaginavam.
No relatório, Eliziane rechaçou a tese de que os atos de 8 de janeiro ocorreram de forma espontânea. “Nosso objetivo foi entender como isso aconteceu; como alguns milhares de insurgentes se radicalizaram, se organizaram e puderam romper, sem muita dificuldade, os sistemas de segurança que deveriam proteger a Praça dos Três Poderes. As investigações aqui realizadas, os depoimentos colhidos, os documentos recebidos permitiram que chegássemos a um nome em evidência e a várias conclusões. O nome é Jair Messias Bolsonaro”, destacou.
Fonte: CorreioBraziliense