A “vida banal” sofre com a captura das políticas públicas pelos interesses privados. O levantamento é uma oportunidade de calibrar melhor o uso dos recursos públicos para mitigar essa situação
Hoje, somos pouco mais de 203 milhões de pessoas. Houve um crescimento de 6,5% no número de habitantes — pouco mais de 203 milhões de pessoas —, numa taxa de crescimento de 0,52% ao ano — cerca de 4,7 milhões de pessoas a menos que o projetado pelo próprio IBGE. É a menor taxa da série histórica, iniciada em 1872, por iniciativa do imperador Pedro II.
Em contrapartida, houve um aumento de 90,7 milhões de domicílios, 34% em relação a 2010, com uma média de 2,79 moradores por residência, inferior ao período anterior, que indicava 3,31 de pessoas residentes em cada domicílio. Isso significa mais problemas de saneamento e degradação do padrão habitacional nas grandes cidades.
Em mais da metade dos 5 mil municípios brasileiros, exatamente 2.397 deles — incluindo nove capitais —, a população diminuiu de tamanho. A população dos chamados grotões caiu muito — 44,8% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes, nos quais vivem apenas 6,3% da população —, enquanto 57% dos habitantes se encontram em centros urbanos acima de 100 mil pessoas.
As mudanças demográficas mais importantes foram o envelhecimento da população, com a redução da taxa de natalidade a partir da queda de fecundidade, e a fragmentação das unidades familiares, com o predomínio de casais com um filho ou nenhum, e mães e pais solteiros.
Mas os dados que precisam ser mais bem esquadrinhados são os relativos a escolaridade, moradia, trabalho, rendimento, condições do local onde vivem, saneamento e abastecimento de água, coleta de lixo, fornecimento de energia elétrica, condições das vias de circulação — o deslocamento até o trabalho e para estudos —, equipamentos com acesso à internet, entre outros.
A chamada “vida banal” dos brasileiros, como diria o geógrafo Milton Santos, sofre com a captura das políticas públicas pelos grandes interesses privados. O Censo é uma oportunidade de calibrar melhor o foco e a distribuição de recursos públicos, para mitigar esta situação.
Não é uma coisa fácil, mas é possível. O cruzamento dos dados do Censo 2022 com o Mapa da Violência, por exemplo, seria o ponto de partida para a implementação efetiva do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que conta com mais de R$ 5 bilhões de orçamento neste ano. O georreferenciamento de casos de feminicídios e estupros poderia dar mais eficácia ao combate a essa tragédia brasileira.
Dois exemplos são bem ilustrativos das mudanças em curso. O primeiro, a existência de 40 mil moradores de rua na capital de São Paulo, entre eles os frequentadores da Cracolândia, um problema de saúde pública associado à crise habitacional da maior metrópole do país, cujo lobby imobiliário é hegemônico na política local.
O segundo, a cidade de Sorriso (MT), capital do agronegócio no Brasil. A população local chegou a 110.635 pessoas no Censo 2022, o que representa um aumento de 66,73%. Entretanto, 1.310 famílias têm renda de até R$ 105,00 e a prefeitura local precisa de administradores, arquitetos, assistentes sociais, professores, engenheiros, fiscais, geólogos, veterinários, pedagogos, psicólogos, técnicos em construção e de informática.
Municípios e bancadas
Tanto em São Paulo como em Sorriso, com os dados do Censo, será possível conhecer melhor o perfil da população e suas necessidades. Os resultados da pesquisa repercutirão nas transferências constitucionais da União e dos estados, principalmente nos fundos de participação dos Municípios (FPM) e dos Estados (FPE), a principal fonte de receita dos pequenos municípios, principalmente os que diminuíram de tamanho.
É previsível que, em muitos deles, a administração pública entre em colapso. A ideia de uma reforma municipal, que torne mais barata e eficiente a gestão local, não deveria ser descartada. De igual maneira, critérios mais objetivos, racionais e transparentes para a apresentação de emendas parlamentares ao Orçamento da União.
Como a Constituição prevê que cada estado deve ter entre oito e 70 deputados, deve haver uma atualização do tamanho das bancadas — a última foi em 1993. Caso isso seja feito, as bancadas estaduais ficariam assim: Amazonas passaria de oito para 10 deputados ( 2); Ceará, de 22 para 23 ( 1); Goiás, de 17 para 18 ( 1); Minas Gerais, de 53 para 54 ( 1); Mato Grosso, de oito para nove ( 1); Pará, de 17 para 21 ( 4); Santa Catarina, de 16 para 20 ( 4).
Diminuiriam as de Alagoas, de nove para oito deputados (-1); Bahia, de 39 para 37 (-2); Paraíba, de 12 para 10 (-2); Pernambuco, de 25 para 24 (-1); Piauí, de 10 para oito (-2); Rio de Janeiro, de 46 para 42 (-4); e Rio Grande do Sul; de 31 para 29 (-2).
Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe, Tocantins, Distrito Federal (todos com oito), Espírito Santo (10), Maranhão (18), Paraná (30) e São Paulo (70) manteriam o número de deputados.
Fonte: CorreioBraziliense