Economista afirma que não vê qualquer sinal de descontrole nas contas públicas e defende controle maior dos gastos do governo por meio do uso da inteligência artificial

Um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que completa 24 anos neste mês, o economista José Roberto Afonso, professor do IDP e vice-presidente do Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), diz que não há riscos de desajustes nas contas públicas e assinala ver exageros nas críticas dos agentes econômicos à política fiscal do governo Lula. Para ele, está faltando equilíbrio no debate. “Antes, diziam que, com a posse de Lula, o mundo cairia. Sabemos que não aconteceu isso e ainda foram aprovadas mudanças legislativas, a equipe econômica se mostrou serena e o mercado estava em lua de mel com eles”, afirma.

Ele reconhece, porém, que há muito o que avançar na gestão dos gastos públicos e, inclusive, na LRF, que continua incompleta. Na avaliação de Afonso, é preciso impor um limite para o endividamento da União e criar o Conselho Fiscal, que, certamente, evitaria o embate que se vê hoje entre o Palácio do Planalto e o Congresso em torno da desoneração dos 17 setores da economia que mais empregam. A disputa foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e aprofundou as fissuras entre o Executivo e o Legislativo. “Com o Conselho, composto por representantes de todos dos Poderes, haveria mais negociação e pactuação”, acredita.

O economista ressalta, ainda, ver um amplo espaço para o uso da inteligência artificial a fim de controlar as despesas do governo. Segundo ele, essa tecnologia ajudaria muito no combate a fraudes e aos desperdícios se houvesse a fusão do Cadastro Único com as bases de dados do Bolsa Família, da Receita Federal, do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “Ainda sonho com o dia em que poderemos marcar consultas no SUS, fazer matrículas em escolas, acompanhar as notas dos alunos e mesmo denunciar um crime por meio do celular”, frisa. “Basta, para isso, vontade política, pois técnicas há de sobra.”

Há razão para a atual comoção em relação às contas públicas? Há riscos reais de desajustes?

Não. Na minha opinião pessoal, há um exagero dos agentes econômicos. Antes, diziam que, com a posse do presidente Lula, o mundo cairia. Sabemos que não aconteceu isso e ainda foram aprovadas mudanças legislativas, a equipe econômica se mostrou serena e o mercado estava em lua de mel com eles. O Brasil está precisando de muito equilíbrio na forma como debate a política fiscal. Nem oito, 80. Temos de sair dessa armadilha, nem tudo está errado, mas, por certo, há muito o que melhorar. Todos ajudariam mais apresentando propostas concretas e imediatas para melhorar a produtividade do gasto público, fazer mais e melhor com menos recursos, pois emenda constitucional pouco resolve. O mesmo vale para o lado da receita, pois se insiste na implantação de impostos analógicos quando o mundo já virou digital.

A Lei de Responsabilidade Fiscal completa 24 anos neste mês. Como um dos criadores dessa legislação, que avaliação faz?

Há muito o que comemorar. Melhoramos muito na administração pública, ainda que não seja uma panaceia. Agora, a lei segue incompleta em aspectos cruciais, como a adoção de um limite para a dívida federal, que representa mais de 90% do endividamento total do país, e a criação do conselho de gestão fiscal, que poderia atenuar confusões institucionais, como no caso das desonerações da folha de pagamento, ao juntar, no mesmo espaço, membros de diferentes níveis de governo e de Poderes. Precisamos de mais negociação e pactuação e menos emendas constitucionais e ações no Supremo Tribunal Federal. Também necessitamos urgentemente aprovar a revisão da Lei 4.320, de 1964. Ou seja, aprovamos Orçamentos e fazemos contabilidade pública como há 60 anos, e nenhum governo, nenhum parlamentar, nenhuma entidade profissional, ninguém do mercado financeiro acha isso estranho. É a cara dos extremos do Brasil: como aplicar uma lei moderna, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, quando as contas são apuradas com base em regras de mais de meio século?

De que forma a tecnologia pode ajudar na questão fiscal?

A tecnologia será decisiva nessa questão. De imediato, quando se fala desse tema, o que de mais imediato vem à cabeça é a cobrança de impostos, que, no caso brasileiro, avançou muito. Na fiscalização, a tecnologia está sendo usada com sucesso. Hoje, você desembarca no aeroporto e a Receita Federal sabe tudo sobre você, por meio do peso das malas, do número de vezes que viaja. Esses mecanismos de controle precisam chegar à área fiscal, na gestão da dívida pública. Daqui a pouco, o Tesouro Nacional não precisará mais de meia dúzia de bancos intermediários, os dealers, para realizar operações. Futuramente, estará emitindo títulos em criptomoedas, tudo eletronicamente. Na despesa pública, tem um mundo de oportunidades para fazer mais e melhor, com menos recursos. O governo tem um potencial enorme quando se fala em redução de gastos. Mas é preciso ter vontade política para adotar a tecnologia. É inacreditável que o banco de dados do Bolsa Família não esteja integrado com o banco de dados de servidores públicos e o banco de dados da Receita Federal. Pode-se ter uma rede integrada de atestados, seja de certidão de nascimento, seja atestado de óbito. Registrou-se um óbito, o INSS tem de ser avisado um segundo depois, pois não pode alguém morrer e outra pessoa ficar recebendo o benefício durante meses ou anos. São muitas coisas microeconômicas, como o combate a fraudes, mas que, juntas, proporcionam um resultado macroeconômico muito importante.

A inteligência artificial é uma ameaça à democracia ou pode ser uma aliada?

Acho que ambas. Sem regulação, é uma ameaça, não tenho dúvida. Há anos ou décadas, o político saía com um carro de som ou mesmo com um alto-falante em cima de um jegue pela cidade pedindo votos. Nesse processo, podia até ter desinformação, mentiras contra os adversários. Mas, com o uso da inteligência artificial, é difícil saber o que é verdade ou irreal. Todos nós sabemos que, hoje, a internet é capaz de colocar alguém falando com a sua voz, com a sua imagem, algo que você não falou ou algo que você não pensou. Por isso, a regulação das redes sociais, da inteligência artificial, é vital. Vemos que, nessa discussão, a Justiça Eleitoral está muito mais avançada que o Congresso e até que outros países. Agora, tudo passa por esclarecer a sociedade sobre a importância da regulação e como ela ganha com isso.

Fonte: CorreioBarziliense