Entre analistas, há quem entenda já existir um excesso de alterações na Carta Magna e que essas mudanças deveriam ser mais pontuais. Por outro lado, tem quem avalie que os temas tratados só podem ser apreciados mesmo como emenda constitucional
Advogados constitucionalistas ouvidos pelo Correio Braziliense comentaram esse volume de alterações na Constituição, promulgada há 36 anos. Entre os especialistas, há quem entenda já existir um excesso de alterações na Carta Magna e que essas mudanças deveriam ser mais pontuais. Por outro lado, tem quem avalie, em opinião divergente, que os temas tratados só podem ser apreciados mesmo como emenda constitucional.
Na próxima quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado começará a decidir sobre a criminalização da posse e do porte de drogas, independentemente da quantidade encontrada no momento de flagrante. Esse debate ganha ritmo e forte apoio entre os senadores. O relator da proposta é o senador Efraim Filho (União-PB).
O mesmo assunto está sendo discutido no STF, razão que fez os senadores pautarem o tema. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou que o tema é exclusivo do Congresso e que ocorre uma invasão de competência da Câmara e do Senado.
A Suprema Corte julga a descriminalização do porte para uso pessoal de maconha e a definição de parâmetros para a distinção do uso pessoal e tráfico. Na semana passada, o ministro Dias Toffoli pediu vistas (mais tempo para análise) e não há previsão para que o assunto volte à pauta.
Reeleição
A emenda pelo fim da reeleição para cargos executivos, outra alteração patrocinada por Rodrigo Pacheco, começou a caminhar no Senado. Pelo texto, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), presidente da República, governadores e prefeitos deixarão de ter direito de se reelegerem para dois mandatos de quatro anos. Se aprovada a proposta, o país terá a volta de um mandato único de cinco anos. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) é o relator.
Ao Correio, interlocutores de Castro, que também relata o projeto do novo Código Eleitoral, apostam que a proposta será votada até junho. Nessa matéria, o governo tem posição e é contra, já se manifestou nesse sentido o presidente Lula. Perguntado se entende que há um excesso, uma sanha, do Senado em alterar a Constituição, o advogado Guilherme Barros, mestre em direito público, afirmou que é preciso ter em conta os temas tratados nessas PECs.
“Quanto ao funcionamento do STF, me parece questão constitucional, não obstante a matéria, e a minha crítica vem daí, que não possa ser tratada mediante atropelo. Reeleição, de igual modo. É matéria eminentemente constitucional. Drogas, não. Isso não é matéria, afeta ao texto constitucional, lidando, de outra forma, com legislação penal. Portanto: sanha nunca é algo proveitoso para tratar de temas espinhosos. De um lado e de outro, diga-se”, respondeu Barcellos.
Sobre a PEC do fim da reeleição, ele explica ser um tema sensível e de relevância para a organicidade o país. “Vale lembrar, aliás, que a reeleição foi estabelecida também via emenda (PEC). Uma emenda de ocasião, inclusive, lá em idos de 1997. Não vejo como sendo interesse específico ou momentâneo aqui. De modo que a pergunta que trago é: deu certo? Isso é tema que precisaremos discutir. Não apenas quanto à reeleição. Mas, também, quanto ao nosso sistema de governo.”
Constituição: 132 emendas desde 88
Desde sua promulgação, em 1988, até hoje, a Constituição já recebeu 132 emendas. O advogado Wilton Gomes lembra que há cerca de mil Proposta de Emenda à Constituição (PECs) tramitando no Congresso, pelos mais diversos motivos. Ele elenca duas razões principais para esse número, que considera excessivo, de projetos que visam mudar a Constituição.
“A primeira delas é histórico da nossa Constituição. Os constituintes, em 1988, visando uma composição pós-ditadura militar, aceitaram vários tipos e formas de pressão e normatizaram diversos temas estranhos a uma Carta Constitucional. Regulamentaram temas que poderiam ser facilmente objetos de leis complementar e ordinária. Não é por outra razão que, em apenas 35 anos de existência, a Constituição possui 132 emendas”, disse ele, que é doutor em direito público pela Universidade de São Paulo (USP).
“A título de comparação, a Constituição dos Estados Unidos, com mais de 230 anos de existência, possui apenas 27 emendas”, afirmou Gomes. “Outra razão pela qual há um número excessivo de PECs é, sem sombra de dúvida, o cenário de conflito político partidário, genuinamente polarizado, com discursos em certa medida antagônicos, em que a oposição ao governo federal significativamente numerosa tem força para dar andamento aos projetos de emenda à Constituição Federal”, completou.
Em meio a tantas propostas tramitando ao mesmo tempo, o governo busca negociar seus interesses. É o caso da proposta que aumenta os requisitos de tempo de serviço para que militares possam concorrer em eleições sem perda de remuneração. O Planalto busca que a PEC vá à votação no plenário até abril e que o texto original, de autoria de Jaques Wagner, seja mantido, deixando de fora policiais militares. A oposição não descarta aprovar uma versão que agrade o governo, em troca, quer ampliar os direitos dos militares que passem à reserva.
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, as mudanças propostas por meio de PECs, em relação ao Supremo, “constituem menos uma necessidade de complementar a Carta Magna e, muito mais, a ânsia em demonstrar poder em face do STF”. E emendou: “As PECs que pretendem limitar os poderes dos ministros do STF, e fixar-lhes um mandato temporário, atendem ao afã de dar uma resposta à altura àquele tribunal, pelo fato dele estar extrapolando de sua função de ‘julgar’, invadindo a competência do Poder Legislativo, competente para legislar”.
em legislar. Ou seja, ele tem competência constitucional para legislar”, afirmou.