O estudo apontou também que, em relação às práticas invasivas — importunação, perseguição e assédio sexual — 41% das brasileiras já foram xingadas ou agredidas por dizerem “não” a uma pessoa que estava interessada nelas, 32% delas afirmaram ter passado por situação de importunação ou assédio sexual no transporte público e 31% declararam que já sofreram tentativa ou abuso sexual.
Já em relação aos homens, nenhum reconheceu que praticou importunação ou assédio sexual no transporte público.
Esses dados fazem parte do levantamento “Percepções sobre controle, assédio e violência doméstica: vivências e práticas”, que foi realizado para compreender as percepções dos brasileiros sobre os temas.
Foram entrevistadas 1.200 pessoas em todo território nacional (800 homens e 400 mulheres) entre 21 de julho e 1º de agosto. Todos maiores de 16 anos. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.
De acordo com Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, os números refletem, principalmente, que essas práticas invasivas se tornaram rotina na vida das mulheres e que os homens não assumem.
“Lógico que não temos apenas grupos de quem sofreu um assédio e de quem causou. Mas quando analisamos em termos de pesquisas, que deve refletir a sociedade brasileira, chama atenção. E a pergunta que se coloca é: se os homens naturalizam, ou seja, normalizam as práticas, e não encaram como uma importação, coisa invasiva. Ou então, se conforme temos visto, a percepção de impunidade acaba favorecendo esse tipo de atitude”.
O psicólogo Alexandre Coimbra afirma que a maioria dos homens no Brasil não sabe o que é importunação sexual.
“Eles não querem saber e têm raiva de que é uma lei, porque isso fere o princípio mais básico do machismo estrutural, que é ele possuir o corpo do outro”.
“E é a partir desse preceito, a lógica dele é de dominação, ou seja, ‘eu preciso dominar o outro, mesmo que ele, a princípio, me diga que não’. O ‘não’ é escutado por esse homem que sustenta essa lógica machista de se sentir mais dono do mundo e entre as propriedades estão os corpos das mulheres”.
O levantamento também reflete o aumento nos casos de importunação sexual em vários estados do país, como Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
Em julho deste ano, um professor da rede estadual, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), foi preso preventivamente pela suspeita de importunação sexual contra alunas adolescentes. Em depoimento à polícia, o homem de 40 anos negou as denúncias.
Conforme a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o estado de Rio Grande do Sul registrou 349 casos de importunação sexual contra crianças e adolescentes entre janeiro e junho de 2022. O número é 49,7% superior ao índice observado no mesmo período do ano passado.
No dia 25 de agosto, um homem foi preso por importunação sexual dentro de um ônibus na Zona Sul de São Paulo. O suspeito, identificado como Josicleidson Silva de Jesus, de 27 anos, já tinha sido preso em flagrante após abusar sexualmente de uma passageira na Linha 1-Azul do Metrô, em setembro de 2015.
Na última terça-feira (6), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar o juiz substituto Marcos Scalercio por assédio sexual contra ao menos três mulheres em São Paulo, respectivamente, em 2014, 2018 e 2020.
Em Cariacica, na Grande Vitória (ES), uma gerente de loja de 37 anos foi vítima de importunação sexual dentro de um ônibus do Sistema Transcol, em agosto. O suspeito foi identificado e preso.
Em Palmas, região sul do Paraná, um homem foi preso por passar a mão em uma ciclista enquanto ela pedalava, no dia 28 de setembro de 2021. Nas imagens (veja abaixo), é possível ver o momento em que um carro se aproxima da ciclista e, na sequência, o que estava no banco do passageiro passa a mão no corpo dela.
Conflitos nas relações afetivas
Os dados da pesquisa também enfatizam que o afeto e a posse se confundem em grande parte dos relacionamentos amorosos. Ao término de uma relação, por exemplo, o controle, a perseguição e a calúnia são as agressões mais relatadas, diz o levantamento.
Mais mulheres (34%) do que homens (25%) declararam terem sido obrigadas, após o fim do relacionamento, a bloquearem contato, a mudarem de telefone (18% das mulheres contra 8% dos homens) e a registrarem um boletim de ocorrência (15% das mulheres contra 6% dos homens).
Após o fim do relacionamento, a pesquisa aponta que mais mulheres do que homens passaram por situações de perseguição até em casa, trabalho ou local de estudo; entre eles, os não heterossexuais destacam-se como vítimas em todas as situações.
Em outubro do ano passado, um policial militar aposentado, de 55 anos, tentou matar a ex-mulher horas após a audiência de divórcio enquanto a vítima trabalhava em uma loja em Sorocaba, interior de São Paulo. Segundo boletim de ocorrência, a mulher tinha medida protetiva de urgência contra o homem.
O homem alegou em interrogatório na fase policial que “ficou transtornado”. Imagens mostram a mulher correndo do ex e tentando se esconder, enquanto o homem procura por ela com uma arma na mão.
Violência doméstica
As práticas de controle, somadas aos relatos de agressões físicas e verbais, estão relacionadas aos conflitos das relações afetivas, tendo o ciúme como principal motivo tanto para homens quanto para mulheres, aponta a pesquisa.
41% dos brasileiros já sofreram agressão dos parceiros, atuais ou ex, mas apenas 26% admitem que já agrediram.
O estudo mostra também que 1 em cada 4 mulheres agredidas declara que a violência doméstica acontece com frequência, enquanto apenas 1 em cada 10 homens afirma sofrer violência frequentemente.
O levantamento também aponta que mais mulheres (30%) do que homens (10%) apontam que o parceiro que estava bêbado ou drogado ao cometer a violência. Os jovens de ambos os sexos, as mulheres e os homens não heterossexuais relatam sofrerem violência sexual dos parceiros.
Descrença sobre a efetividade da Lei Maria da Penha
Para 9 em cada 10, amigos e familiares devem intervir se desconfiam ou sabem que a mulher está sofrendo violência doméstica.
A grande maioria avalia de forma positiva a Lei Maria da Penha, como uma contribuição para que a mulher busque ajuda e também para a condenação dos crimes de violência doméstica e a promoção de uma cultura de maior respeito às mulheres.
Mas a pesquisa revela também uma visão crítica e uma certa descrença sobre a efetividade da lei, que pode ser atribuída à sensação de impunidade e também à percepção de que os representantes da polícia e da justiça dão pouca importância para o problema da violência doméstica:
89% concordam que os homens que agridem as parceiras sabem que isso é crime, mas não acreditam que serão punidos, e o mesmo percentual avalia que os homens que praticam essa violência não costumam receber as punições devidas.
Para 76% dos entrevistados, a polícia e a justiça no Brasil tratam a violência doméstica contra mulheres como um assunto pouco importante. Neste contexto, os programas de reeducação para homens que cometem violência doméstica são considerados importantes pela maioria da população.
Ainda que a maior parcela dos homens reconheça positivamente a Lei Maria da Penha, eles tendem a concordar mais do que as mulheres com os argumentos utilizados contra a lei, em especial os seguintes segmentos:
49% dos homens com 60 anos ou mais e 41% dos homens com ensino fundamental acreditam que a Lei Maria da Penha “interfere em uma questão particular que só diz respeito ao casal”;
38% dos homens com 60 anos ou mais, 37% dos homens moradores da periferia e 34% dos homens com ensino fundamental consideram que a Lei Maria da Penha “é rigorosa demais e prejudica homens que não são criminosos”;
16% dos homens moradores de municípios com até 50 mil habitantes acham que a Lei Maria da Penha “deveria ser anulada, porque bater na parceira pode ser errado, mas não deveria ser crime”.