Nenhuma acusação de quebra de decoro julgada em 2023 teve prosseguimento
O acirramento entre deputados governistas e os seguidores de Jair Bolsonaro na Câmara foi até determinado ponto. Quando necessário, para salvar seus próprios mandatos, o que se viu neste 2023 foi um grande acordo entre parlamentares da esquerda e da direita. Foi o que ocorreu no Conselho de Ética da Casa.
Desde o início da tramitação das representações, sempre apresentadas por seus rivais, ficou desenhado o grande acordo. Deputados de um e de outro lado votavam a favor do arquivamento da ação contra seus adversários.
Dois dos mais radicais bolsonaristas — Carla Zambelli (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) — se livraram do Conselho de Ética com voto do petista Washington Quaquá (RJ), que propôs uma “anistia geral”, favorecendo os dois lados.
Quaquá é vice-presidente nacional do PT e vai responder a ação no conselho em 2024 por ter agredido com um tapa um colega da oposição no plenário, na sessão da promulgação da reforma tributária, semana passada.
Até mesmo Eduardo Bolsonaro (PL-SP) contou com votos de duas deputadas governistas e do PT, Jack Rocha (ES) e Ana Paula Lima (SC). O parlamentar foi levado ao conselho porque partiu para cima de um deputado do próprio PT, Marcon (RS), disparando xingamentos.
Neste ano, se viu um comportamento incomum nas quase três décadas de funcionamento do Conselho de Ética: o recuo de relatores em seus posicionamentos, após pressão de um dos lados. Três relatores mudaram seus pareceres finais para aliviar a situação dos acusados. Todos os beneficiados são bolsonaristas.
O deputado Albuquerque (Republicanos-RR) relatou a denúncia contra José Medeiros (PL-MT), acusado pelo PT de proferir ofensas e palavrões contra a presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PT-PR), e também por ter pisado no pé do petista Miguel Ângelo (PT-MG). No primeiro voto, Albuquerque votou pela admissibilidade da denúncia, e justificou que ficou comprovada a pisada no pé do colega. Depois, desistiu: “Vou reformular meu voto porque o representado (Medeiros) se desculpou”. O placar foi 13 a 0 pelo arquivamento.
Os outros dois casos de recuo de relatores beneficiaram Zambelli e Nikolas. A deputada foi acusada de xingar o deputado Duarte Junior (PSB-MA). Ela o ofendeu com a expressão “vá tomar no c*”, durante uma audiência pública. O relator do caso, João Leão (PP-BA), primeiro, entendeu que ela quebrou, sim, o decoro. Mudou depois. Disse que “analisou bem” e que não tinha ficado claro o xingamento disparado por Zambelli contra o colega.
O relator do caso de Nikolas, Alexandre Leite (União Brasil-SP), foi no mesmo caminho. O deputado mineiro foi acusado de transfobia ao discursar com uma peruca amarela de forma debochada. Leite criticou, defendeu a instauração do processo, mas, na sequência, recuou.
“Ouvindo aqui atentamente a todos os parlamentares, o que aconteceu naquele dia foi grave, diante do cenário que nós vivemos de violência, da falta de legislação específica existente ainda no nosso ordenamento jurídico. Levando tudo isso em consideração, acredito eu que não seja oportuno levar adiante isso aqui no Conselho de Ética”, argumentou o relator, que apenas sugeriu uma sanção de censura escrita.
Na contramão dos acordos armados no conselho, o deputado Chico Alencar (PSol-RJ), algumas vezes, contrariou até mesmo aliados de seu partido. Várias deputadas do PSol foram alvos de ação no colegiado. Hoje, ele avalia a tramitação desses casos, tanto de governistas como de oposicionistas.
“De fato, depois das ‘escaramuças’ iniciais, as lideranças partidárias no conselho se acertaram para não punir ninguém. Eu, sondado, disse que ia julgar caso a caso, que cada um tinha sua especificidade. Assim o Nicolas, a Zambelli e o Bolsonaro se safaram, sem sequer uma advertência. Nunca fiz qualquer acordo. Há uma banalização das representações e das absolvições”, disse Chico Alencar.
O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) foi o bolsonarista mais “solidário” aos adversários políticos e votou várias vezes a favor de parlamentares da esquerda, pelo não seguimento de suas ações.
“Votei de acordo com minha consciência, na certeza de que a opinião do parlamentar é inviolável. Seja de deputado da direita e da esquerda. Não posso mudar de opinião porque quem está do outro lado é um deputado opositor ao meu campo político”, disse Silva.
Tudo certo
O deputado Quaquá integrou o Conselho de Ética até o início de setembro, quando decidiu renunciar à vaga. Antes disso, porém, em agosto, ele propôs um acordão para que as 22 ações apresentadas até aquele momento fossem arquivadas. Disse que seria “didático”.
“Acho que devemos, nesta tarde, no conselho, negar todas as admissibilidades, como algo pedagógico, independentemente do mérito. Votarei para negar todas. Na próxima vez, tudo bem, atacaremos o mérito”, justificou Quaquá, em 9 de agosto.
E anunciou que, a partir daquela data, nenhum ato de quebra de decoro será tolerado.
“A partir de agora, não toleraremos mais isso. Tem que ter respeito nesta República”, completou o deputado, que agrediu um colega no plenário e é alvo de ação no colegiado. O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu punição.
Em dezembro, outras sete representações chegaram ao conselho, mas vão tramitar somente em 2024. Os deputados que se livraram do conselho neste 2023 foram, entre os governistas: Márcio Jerry (PCdoB-MA), Juliana Cardoso (PT-SP), Talíria Petrone (PSol-RJ), Érika Kokay (PT-DF), Marcon (PT-RS), Sâmia Bonfim (PSol-SP), Célia Xakriabá (PSol-MG), Glauber Braga (PSol-RJ), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Fernanda Melchionna (PSol-RS). E os oposicionistas: Oposicionistas: Carla Zambelli (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG), José Medeiros (PL-MT), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Júlia Zanatta (PL-SC), André Fernandes (PL-CE), Abilio Brunini (PL-MT), Ricardo Salles (PL-SP) e Zucco (PL-RS).
Fonte: CorreioBraziliense