A quatro dias de o STF (Supremo Tribunal Federal) retomar o julgamento sobre a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal, manifestantes que na tarde deste sábado (17) participam da 15ª edição da Marcha da Maconha, na avenida Paulista, em São Paulo, pedem que os entorpecentes sejam descriminalizados e o fim da guerra contra eles.

Além da pressão por um resultado favorável no STF, a marcha propõe como tema neste ano “antiproibicionismo por uma questão de classe — reparação por necessidade”.

Às 16h20, os manifestantes agitaram bandeiras e acenderam sinalizadores com fumaça verde, para dar início à marcha. Dez minutos depois, o cortejo partiu em direção à rua Consolação, na região central de São Paulo, com gritos “sem hipocrisia, a guerra às drogas mata pobre todo dia”, “vem pra rua, vem fumar maconha” e “ei, polícia, maconha é uma delícia.” A dispersão será na praça da República.

A multidão, que às 14h40 já ocupava o vão livre do Masp (Museu de Arte de São Paulo), fechou a pista da avenida Paulista no sentido rua da Consolação. Aos gritos de “Uh, legaliza!” e ao som de reggae, a organização colocou as faixas nas esquinas do museu na preparação ao ato.

Entre a fumaça dos cigarros, bandeiras e camisetas exibiam pedidos pela legalização da maconha e de outras drogas, frases como “cultive seus direitos” e “loucura não se prende”.

Os cartazes dividem espaços com a venda de bolo, brigadeiro, pamonha, geladinho, cerveja, água e itens para fazer o cigarro.

O clima é de tranquilidade para a edição da marcha deste ano. “Não importa governo, a política sempre proibicionista. Não importa se é de direita ou progressista, temos um Estado e um Judiciário proibicionista, que não vivem o que os usuários de drogas vivem”, afirmou Diva Sativa, 28, uma das organizadoras da marcha. “Sem a pressão popular não adianta nada o julgamento.”

Também se juntam à manifestação representantes do povo guarani mbya, da Terra Indígena do Jaraguá, na zona norte de São Paulo, contra a aprovação do marco temporal no Congresso, profissionais que trabalham com redução de danos na cracolândia, na região central da capital, e integrantes da Marcha das Favelas, do Rio de Janeiro.

Completam a marcha um bloco terapêutico, formado por pacientes e familiares que fazem uso medicinal do canabidiol, composto que não é alucinógeno e encontrado na planta, e ativistas LGBTQIA+ e a Bloc Feminista.

Para o psicólogo e pesquisador, Lauro Pontes, 48, o país precisa de educação sobre maconha.

“Temos que parar de deixar de ajudar as pessoas por ignorância. Neste momento, pense em quantas pessoas estão sofrendo por não ter tratamento”, afirmou. “Isso diz respeito ao doente e ao preto e pobre que é perseguido na favela.”

“A maconha medicinal já está legalizada no Brasil, mas o acesso é elitista. Temos projetos nos estados, mas precisamos avançar no plantio”, disse o psiquiatra Wilson Lessa. “Basta imaginar quanto custaria o óleo de soja se o grão fosse legalizado, e o plantio, não.”

À frente do ato, organizadores pediam às centenas de curiosos que liberassem a pista para a passagem da marcha, que tinha um mascote, o Zé Ganjinha, inspirado no das vacinas.

A organização do evento também promoveu uma ação de desobediência civil para incentivar o compartilhamento, o plantio e o armazenamento de sementes de maconha. O objetivo é conscientizar o público sobre quem não tem condições de acessar a cannabis medicinal, por exemplo, comprando os produtos.

O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) participava do bloco de cannabis medicinal, enquanto agitava um leque no formato da planta.

Por volta das 17h20, a marcha parou na esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação para uma apresentação de pirofagia.

Às 19h10, a marcha estava na altura da praça Roosevelt e se encaminhava para a da República, escoltada pela polícia. Segundo a organização, o público superou 100 mil pessoas. O número não foi confirmado pela PM.

Entre a caminhada e algumas paradas para reorganizar o grupo, o ato tinha manifestações diversas. Na altura do cemitério da Consolação, as pessoas acenderam isqueiros e bateram palmas para moradores que remetiam o gesto, além dos carros no sentido da Paulista que buzinavam para o ato.

O público também repetia o refrão de “Malandragem dá um tempo”, sucesso de Bezerra da Silva.

“É muito bom bom voltar, ano passado fiquei receoso porque pessoas do grupo que viria comigo pegaram Covid-19”, disse Fernando Mikio, 33, que milita há mais de dez anos pela descriminalização.

DESCRIMINALIZAR OU LEGALIZAR? ENTENDA A DIFERENÇA

Despenalizar
Conduta não deixa de ser crime, mas deixa de haver previsão de pena de prisão quando ela ocorre

Descriminalizar
Conduta não se torna legal, mas deixa de ser tratada como crime e pode ser objeto ou não de sanção administrativa

Legalizar
Conduta deixa de ser crime e passa a ser regulada por lei

Agora, a expectativa é pelo julgamento no STF da descriminalização da posse, na próxima quarta-feira (21). O tema voltou à pauta em 1º de junho, mas não chegou a ser analisado pela corte.

O Supremo julga uma ação da Defensoria Pública de São Paulo, parada desde 2015, que pede a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006. O texto considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo. O caso julgado é o de um mecânico condenado pela posse de 3 gramas de maconha enquanto estava preso em 2009.

Como o julgamento tem repercussão geral reconhecida, o resultado pode ser usado para anulação de penas e orientação de decisões futuras.

Até agora, três ministros votaram a favor da descriminalização. O relator Gilmar Mendes foi favorável à descriminalização do porte de todas as drogas, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin restringiram seus votos à maconha.

Barroso foi o único que defendeu a criação de parâmetros quantitativos para caracterizar o usuário. Em seu voto, o ministro sugeriu o limite de 25 gramas de maconha ou o cultivo de até seis plantas fêmeas para configurar uso pessoal.

Fonte: Folha de São Paulo