O general da reserva Ridauto Fernandes, diretor de Logística da Saúde, assinou novo termo de classificação da informação para prolongar o sigilo
O Ministério da Saúde decidiu ampliar o sigilo de seus estoques. O governo argumenta que os dados podem ser usados pela indústria para especular preços nas vendas ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Com isso, a pasta comandada pelo ministro Marcelo Queiroga vai manter escondidas as informações sobre produtos vencidos. Em setembro de 2021, a Folha mostrou que a Saúde guardava R$ 243 milhões em medicamentos, vacinas, testes e outros itens sem validade.
O sigilo de todo o estoque cairia no próximo ano, mas o general da reserva Ridauto Fernandes, diretor de Logística da Saúde, assinou novo termo de classificação da informação no dia 20 de abril.
Com isso, não há mais uma data para todo o estoque ser revelado. As informações serão protegidas por dois anos a partir de quando forem produzidas.
O sigilo também alcança dados sobre o volume de produtos que saiu do estoque.
O governo federal tem recebido críticas por impor sigilo sobre informações sensíveis à gestão de Jair Bolsonaro (PL), como a lista de autoridades que acessam o Palácio do Planalto.
O termo assinado pelo general determina esconder “informações do banco de dados (estoque de Insumos Estratégicos de Saúde e dados sobre a sua movimentação)”.
O dado sobre o estoque da Saúde foi enquadrado como “reservado” no documento e a justificativa completa para isso também está sob sigilo.
Fernandes disse à reportagem que uma das ideias é evitar que a indústria use os dados sobre o estoque para cobrar mais caro.
“Se a pessoa que vai me vender sabe que estou desesperado para comprar, por exemplo, porque está acabando o produto, o preço vai lá na nuvem”, disse o general da reserva.
“Na hora em que negocio preços, uma informação de estoque vale ouro”, afirmou.
No termo de classificação, a Saúde cita trechos de artigo da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) sobre dados “imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado” para justificar o sigilo.
Os pontos citados afirmam que os dados sobre estoque podem pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país; e pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares.
Fernandes disse que informar o valor total do estoque vencido da Saúde também poderia acabar municiando a indústria.
“Vai conseguir fazer a ‘conta de menos’ do estoque total. Um gerente de banco não diz quanto tem na agência dele”, disse o diretor de Logística.
Ele não informou qual o valor atual do volume vencido e guardado na Saúde.
Disse apenas que a pasta trabalha com órgãos de controle para “evitar esse tipo de coisa”. “Hoje nosso estoque é significativamente menor do que no ano passado”, disse, sem apresentar a cifra.
Os estoques da Saúde estão sob sigilo desde 2018. O período inicial era de 5 anos. Em 2023, todo o volume seria revelado.
Fernandes disse que a nova dinâmica, de impor dois anos de sigilo a partir da produção do dado, é mais adequada à legislação.
O Ministério da Saúde usou esse novo termo de classificação em 11 de abril para rejeitar um pedido feito pelo jornal Folha de S.Paulo via LAI (Lei de Acesso à Informação) sobre o estoque total vencido da pasta.
Os dados sobre esses produtos são facilmente obtidos em sistemas internos do Ministério da Saúde, usado apenas por servidores autorizados.
O principal centro de armazenamento da Saúde fica em Guarulhos (SP).
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a Saúde guardava nesse centro 3,7 milhões de itens sem validade em 2021. O dado foi obtido a partir de relatórios internos da pasta.
A lista de produtos vencidos incluía, por exemplo, 820 mil canetas de insulina, compradas por R$ 10 milhões e suficientes para 235 mil pacientes com diabetes durante um mês.
O governo Bolsonaro também perdeu frascos para aplicação de 12 milhões de vacinas para gripe, BCG, hepatite B (quase 6 milhões de doses), varicela, entre outras doenças.
A lista revelada pela Folha de S.Paulo ainda apontava produtos vencidos que poderiam servir a pacientes do SUS com hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer, tuberculose, doenças raras, esquizofrenia, artrite reumatoide, a transplantados e pessoas com problemas renais, entre outras situações.
Os produtos vencidos precisam ser incinerados, segundo as regras sanitárias no Brasil. A Saúde também tem despesas neste processo, feito por empresa privada.
Em alguns casos, como de falha do produto ou quando ele é fornecido com validade curta, o governo consegue repor o estoque vencido por acordos contratuais com as fabricantes.
Esta operação, porém, pode atrasar os tratamentos. Além disso, há situações de prejuízo aos cofres públicos e aos pacientes.
No caso das canetas de insulina, os dados de 2021 indicavam que a Saúde não entregou cerca de 20% da compra de estreia deste produto no SUS, feita em 2018.
O diretor de Logística da Saúde disse à reportagem que a pasta está elaborando uma portaria com orientações de como evitar a perda de produtos pelo fim da validade.