Representantes da sucursal brasileira da plataforma dizem não ter como obrigar Musk a cumprir determinações judiciais. Ministro classifica alegação de má-fé

Em meio aos embates com o bilionário Elon Musk, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um pedido de representantes do X (antigo Twitter) no Brasil de não serem responsabilizados por eventuais descumprimento de ordens judiciais por parte da empresa, que tem sua sede principal nos Estados Unidos. Em petição enviada à Corte, os advogados da sucursal brasileira do X dizem não ter como obrigar que o dono da empresa, Elon Musk, e outros integrantes da sede atendam as determinações judiciais.

Os advogados afirmaram que a representação da empresa no Brasil tem fins comerciais e que não atua na gerência da plataforma. No documento apresentado no âmbito do inquérito das milícias digitais, os representantes da plataforma alegaram que a operação do X no Brasil está ligada a “Twitter International Company”, sediada na Irlanda, e não ao “X Corp”, com sede em solo norte-americano, onde vive Musk.

O X Brasil afirmou que sua atribuição se limita a repassar as ordens judiciais, que até agora estão sendo cumpridas. “Diante do exposto, com o devido respeito, o X Brasil requer a Vossa Excelência que eventuais novas ordens judiciais envolvendo a plataforma continuem sendo endereçadas diretamente à X Corp., responsável pela gestão e administração da plataforma, de modo a garantir cumprimento efetivo e apropriado das determinações judiciais, em consonância com as competências e responsabilidades legalmente estabelecidas. X Brasil permanecerá disponível para cooperar com o encaminhamento de eventuais ordens às operadoras do X”, sustentou um trecho do documento.

Para Moraes, no entanto, a sucursal da empresa está diretamente ligada à plataforma, atua gerenciando receita de publicidade e operacionalização do microblog em território nacional. Ele destacou que o Marco Civil da Internet garante a responsabilização da representação brasileira e frisou que o X já realizou, por meio de sua equipe brasileira, diversas reuniões com o Supremo e com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O magistrado citou um registro em cartório, no qual o advogado Diego de Lima Gualda é oficializado como procurador do X — representando tanto a sede nos Estados Unidos quanto a filial da Irlanda.

“A alegação, em primeiro lugar, revela certo cinismo, já que, conforme consta no Contrato Social a que já se fez referência, uma das chamadas operadoras internacionais do X nada mais é do que a principal sócia da empresa brasileira, detendo a absoluta maioria do capital social”, ressaltou o magistrado.

Moraes incluiu Musk como investigado no inquérito das milícias digitais, que corre no Supremo, após uma série de ataques contra a Corte. No entanto, o bilionário continuou com as investidas e, na noite de segunda-feira, acusou o ministro de interferir na eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Motivações

Bruna Santos — gerente de campanha global da Digital Action e membro do Grupo Consultivo Multissetorial do Fórum de Governança da Internet da Organização das Nações Unidas (ONU) — afirma que os ataques de Musk podem ter como pano de fundo incômodo com a possibilidade de que o Brasil regulamente as plataformas digitais. Ela destaca que as declarações críticas dele contra instituições brasileiras são bem mais impactantes do que oposições aos governos da Europa e dos Estados Unidos.

“O que algumas pessoas do campo têm apontado é de fato essa disparidade nos países, das regras. No contexto europeu ou nos EUA, o nível de resposta do Twitter é diferente por razões diversas. Nos EUA, boa parte das empresas, inclusive o X, estão sediadas e obviamente têm uma cooperação maior. Na União Europeia, desde o ano passado, a legislação que regulamenta está em vigor, e as plataformas tem colaborado mais”, explica.

Mesmo diante do cenário atual, Bruna acredita que Musk entende a importância do mercado brasileiro para seus negócios. “É um mercado que faz sentido existir, por ser o mais populoso da América do Sul. O fato de Elon Musk não ter publicado as decisões do Supremo e não ter reativado os perfis nos faz acreditar que ele entende a importância do funcionamento da plataforma no Brasil. Como os processos tramitam em sigilo, ele estaria descumprindo a lei brasileira”, frisa.

A especialista cita o comércio de lítio, que atualmente tem a empresa Sigma Lithium como líder na exploração, além do avanço das operações da chinesa BYD no Brasil, como possíveis panos de fundo para a reação do bilionário sul-africano. “No caso do Musk, tudo é possível, principalmente para entender os interesses econômicos. Musk tem negócios no Brasil, seja com a Starlink, seja pelo próprio Twitter. Não duvidaria que exista uma ligação envolvendo o lítio e outras empresas dele com o Brasil”, completa.

O advogado Guilherme Guidi, especialista em direito digital, ressalta que a conduta de Musk também pode esconder interesses ideológicos e econômicos, além de um próprio posicionamento pessoal. “Suas críticas podem também refletir preocupações específicas com as formas e os critérios adotados na regulamentação, divergências ideológicas, posicionamento pessoal, entre tantos outros possíveis fatores. Fato é que a diferença no tratamento pode, inclusive, se dever a uma estratégia de posicionamento institucional, buscando defender pautas relevantes à empresa onde haja maior receptividade a tal tipo de argumento, seja pelo governo, seja pela sociedade”, afirma.

Fonte: CorreioBraziliense