Para assegurar a aprovação dos projetos estratégicos em um Congresso pouco amistoso, o Palácio do Planalto escalou um time de negociadores que não foi unanimidade entre a classe política. Uma reforma ministerial é esperada para o começo de 2024

Este não foi um ano fácil para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após a grande festa da posse, em 1º de janeiro, a depredação das sedes dos Três Poderes, uma semana depois, seria o prenúncio da polarização política que a equipe de governo teria de enfrentar para dar corpo à reconstrução do país prometida ainda na campanha de 2022. Para tentar contornar o cenário adverso e remontar a base de apoio no Congresso, uma reforma ministerial pode acontecer em janeiro.

Os obstáculos foram reconhecidos por Lula ao longo de todo o ano e, fechando a agenda presidencial no ano, no evento de Natal com os catadores, na sexta-feira, o presidente admitiu as dificuldades de aprovar matérias no Congresso. “A gente não tem maioria”.

Ele citou como exemplo os vetos presidenciais ao projeto de lei do Marco Temporal para a demarcação das terras indígenas, aprovado pela Câmara e pelo Senado, ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha declarado a inconstitucionalidade da tese. Os vetos foram derrubados pelo Congresso, por força, principalmente, da poderosa Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que conta com 303 deputados e 50 senadores. “Vocês viram o que aconteceu. Foi aprovada a questão do Marco Temporal. Vocês estão lembrados de que já tinha uma decisão da Suprema Corte. Aí, a Câmara aprovou uma coisa totalmente contrária àquilo que o movimento queria, que os indígenas queriam”, lamentou o presidente.

“Quando chegou na minha mão, vetei tudo. Mas voltou para o Congresso, e o Congresso derrubou meu veto. Agora, se a gente quiser, a gente vai ter que voltar a brigar na Justiça, porque a gente não tem maioria. Apesar de muitas coisas, o Congresso tem contribuído para a gente conquistar coisas e avançar”, disse Lula.

Com a iminente votação da reforma tributária, em debate há pelo menos três décadas, a base governista teve de reconhecer a derrota e costurar o apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ao mesmo tempo em que tentou manter alguns dos vetos de Lula. Foram mantidos, assim, a retomada de terra indígena por alteração de traços culturais; o plantio de transgênicos em terras indígenas; e o contato com povos isolados, que deve ser evitado ao máximo, salvo para prestação de auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.

Ainda que a promulgação da reforma tributária represente uma vitória para o governo, o saldo está longe do ideal. Para se ter uma ideia, até mesmo o desenho da Esplanada dos Ministérios foi usado como alerta do Legislativo ao Executivo. Ainda na comissão mista, os parlamentares esvaziaram as atribuições do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), devolvendo à pasta da Justiça e Segurança Pública (MJSP) a responsabilidade pelas demarcações dos territórios dos povos originários.

Lula segue tentando apaziguar ânimos e vem adotando uma postura otimista. Na quarta-feira, ele afirmou que o país chega ao fim do ano em “uma situação muito boa” e que a articulação política foi, por vezes, “mal-interpretada”.

“Conseguimos isso apenas colocando em prática a arte da negociação. Negociação muitas vezes mal-interpretada, acusada de menor nível, dizendo que o governo estava conversando com fulano, com beltrano, com o Centrão. E eu sempre fazia questão de dizer que a gente não conversa com o Centrão, a gente conversa com partidos, com todos os partidos que têm deputados e senadores. A gente não pergunta de que partido é a pessoa. Levamos a proposta e estabelecemos as conversações necessárias”, observou o presidente durante reunião ministerial.

Articulação

Em um ano de recomposição e planejamento, a pauta legislativa foi voltada quase exclusivamente aos temas econômicos. Do arcabouço fiscal, para substituir o teto de gastos, até as estratégias para arrecadação em 2024, o Planalto contou com três ministros que foram a campo costurar acordos: de Relações Institucionais, Alexandre Padilha; da Casa Civil, Rui Costa; e da Fazenda, Fernando Haddad.

Antes do recesso parlamentar, as últimas duas semanas foram focadas na aprovação da reforma tributária e no Orçamento de 2024. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ironizaram a falta de protagonismo de Padilha nas negociações e por, sequer, ter sido mencionado na solenidade de promulgação da maior mudança na estrutura de impostos do país desde a redemocratização. Líderes partidários reclamaram da tímida articulação política do ministro ao longo do ano e de não avançar em promessas feitas aos congressistas, principalmente, na liberação de emendas e cargos.

Padilha teve duas derrotas recentes creditadas, em parte, na sua conta: a derrubada do veto integral à desoneração da folha de 17 setores da economia e a diminuição da previsão orçamentária para o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Senadores falaram ao Correio que o ministro carece de capital político para dialogar no Congresso.

Até o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentou defender o ministro, negando qualquer tipo de entrave com Padilha.

O senador disse, em café com a imprensa, na sexta-feira, que o fato de o nome do ministro não ter sido lembrado na solenidade de promulgação da reforma foi por erro do cerimonial e que mantém conversas constantes com o chefe da articulação política. A capacidade de negociação de Padilha também foi posta em dúvida pelo fato de Haddad ter tomado a frente das articulações da pauta econômica.

“Fofocas”

A queda de Padilha em uma esperada reforma ministerial é ventilada pelos parlamentares, mesmo que Lula não dê sinais de que pretenda rifar ministros próximos. “Eu não comento o que não é dito diretamente a mim, ao presidente Lula ou que não é dito em ‘on’. Não vou entrar em comentários em ‘off’, em fofocas que são feitas pela imprensa. Tenho relação de profundo respeito com todos os deputados e senadores e, em especial, com os presidentes das duas Casas”, minimizou Padilha.

Para reverter os cortes no PAC, Rui Costa, que, em junho, teria recuado da costura política para dar lugar a Padilha, foi o escolhido para negociar com a Comissão Mista de Orçamento (CMO) até os últimos instantes. O programa é voltado para obras de infraestrutura, área relevante para os petistas em 2024, ano de eleições municipais. No fim, dos R$ 17 bilhões retirados pelo relator, o deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), Costa conseguiu diminuir esse valor para R$ 6,3 bilhões, totalizando o montante de R$ 54 bi para o programa de investimentos.

O corte custou um valor histórico em emendas parlamentares, R$ 53 bilhões, com um aditivo nas chamadas emendas de comissão, que foram de R$ 11,3 bilhões (piso determinado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024) para R$ 16,6 bi. O Congresso fechou o ano destinando ao Fundo Eleitoral voltado para o pleito municipal cerca de R$ 5 bilhões, uma diferença de R$ 4 bilhões em relação ao proposto pelo governo (R$ 939,3 milhões). O valor é mais que o dobro do que foi liberado na última eleição municipal, em 2020, de R$ 2 bilhões.

Após a aprovação do Orçamento para o próximo ano, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), resumiu o clima entre Legislativo e Executivo. “Não aprovamos o orçamento ideal, mas teremos o Orçamento possível”.

Fonte: CorreioBraziliense