Presidente da Câmara emplaca apadrinhado para garantir a tramitação de projetos que visam aumentar a arrecadação. Mas fontes ligadas ao deputado asseguram que ele pretende ocupar ainda mais espaços no Executivo

Depois de várias semanas de fritura e especulações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), finalmente, cedeu às pressões do Centrão. Demitiu Rita Serrano da presidência da Caixa Econômica Federal (CEF) para entregar o cargo a um apadrinhado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Assume o servidor Carlos Vieira Fernandes.

O comando da Caixa era uma das exigências de Lira para fazer parte, definitivamente, do governo. Também é o preço para destravar pautas importantes do Palácio do Planalto no Congresso, como o projeto de lei das offshores e a reforma tributária.

Contudo, segundo fontes próximas ao presidente da Câmara, o avanço sobre cargos de peso no governo está apenas começando. Ele pretende, pelo menos, dois ministérios importantes, como o da Saúde e o da Agricultura: no primeiro, está a pesquisadora Nísia Trindade, cuja presença Lula assegurou que não abre mão; no segundo, o senador licenciado por Mato Grosso Carlos Fávaro — Lira pretenderia ocupar a função depois que deixar o comando da Câmara. Na lista de desejos do deputado, há, ainda, o controle de outro banco público.

Com a troca na Caixa, uma parte do acordo do Palácio do Planalto com Lira foi honrado ontem à noite: votou-se e aprovou-se a taxação dos fundos offshores (no exterior) e dos fundos exclusivos (fechados). A matéria, agora, segue para análise no Senado. (Leia mais na página 7)

A saída de Rita reduz, ainda mais, a presença feminina no primeiro escalão do governo Lula. Antes da Caixa, outros dois ministérios com mulheres à frente sofreram alterações para acomodar apadrinhados do Centrão: em julho, a ex-ministra do turismo Daniela Carneiro (União-RJ) foi substituída por Celso Sabino (União-PA); semanas depois, a ex-jogadora de vôlei Ana Moser deu lugar ao deputado federal André Fufuca (PP-MA) — correligionário de Lira.

Há meses Rita vem sendo fritada. Em julho, ela admitiu que estava “desconfortável” com a situação de ter que trabalhar apesar da certeza de que estava com os dias contados no cargo. Na época, reconheceu que a disputa fazia “parte da democracia”, mas que a insegurança a desgastava.

Exposição

A decisão de rifá-la, porém, pode ter sido precipitada por uma exposição que a Caixa pretendia exibir até 17 de dezembro — e foi cancelada. O evento, intitulado O Grito!, montado na galeria principal do espaço Caixa Cultural, apresentava duas obras que causaram incômodo no Planalto e no Congresso: uma, trazia o ex-presidente Jair Bolsonaro defecando sobre a bandeira do Brasil; outra, tinha uma montagem com fotos de Lira, da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e do ex-ministro da Economia Paulo Guedes dentro de uma lata de lixo, coberta pela bandeira do Brasil. Bolsonaristas e Centrão teriam pressionado para que a exibição fosse suspensa.

De acordo com o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, a mudança na Caixa era mais do que previsível. Marca o enfraquecimento do quadro feminino no governo.

“Além de ceder, o governo vai ter uma mulher a menos em postos relevantes. Mas esse critério não é prioritário para o Centrão. Faz parte de um acordo em que o presidente cedeu e o ônus pela indicação será de Lira e dos seus companheiros do Centrão”, afirmou.

Raquel Alves, analista política da BMJ Consultores Associados, lembrou que, apesar do recuo de Lula em favor do presidente da Câmara, a demissão de Rita não afasta a necessidade de construir um ambiente para que as votações sejam tranquilas. “Sem empenho de Lira, qualquer sonho de votar a reforma tributária, ainda em 2023, vai para o espaço”, advertiu.

A troca de comando da Caixa, segundo o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, é mais uma evidência dos imperativos da governabilidade. “A pauta do governo envolve discussões que são, tradicionalmente, distantes das preferências da maioria da centro-direita. Com isso, o governo faz o esforço de acomodação, mas com um poder de barganha pequeno se comparado ao que era nos primeiros mandatos (de Lula)”, avaliou.