Sinônimo de animações de alta qualidade, ótimas bilheterias e muitos prêmios, a Pixar lança “Elementos” em meio à sua maior crise desde a chegada do estúdio aos cinemas com “Toy Story”, em 1995.

A parábola sobre imigração e choque cultural dirigida por Peter Sohn, de “O Bom Dinossauro”, estreou nos Estados Unidos com uma bilheteria no fim de semana de US$ 29,6 milhões, equivalentes a cerca de R$ 142 milhões, o que representou a pior estreia da história da empresa, comprada pela Disney em 2006.

O alerta vermelho foi acionado no estúdio. O último grande sucesso da Pixar foi há quatro anos, com “Toy Story 4”. Em 2020, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” teve sua janela de exibição nos cinemas encurtada por causa do início da pandemia e faturou apenas US$ 141 milhões, cerca de R$ 676 milhões.

Por causa disso, o então presidente da Disney, Bob Chapek, tomou a decisão radical de lançar as animações seguintes, “Soul”, de 2020, “Luca”, de 2021, e “Red: Crescer é uma Fera”, de 2022, diretamente no streaming Disney+. Analistas acreditam que isso criou um hábito nas famílias americanas que será difícil de mudar, pois o custo de levar os filhos aos cinemas aumentou nos últimos dois anos.

Prova disso é que “Lightyear”, desenho que representou a volta integral do estúdio às salas de exibição depois da pandemia, foi um fracasso retumbante. Lançado ano passado, o derivado de “Toy Story” rendeu apenas US$ 226 milhões contra US$ 200 milhões de seu custo de produção.

“Elementos” é a primeira animação original da Pixar a ir para os cinemas de todo o planeta desde 2019. “O processo não mudou, seja para streaming, seja para os cinemas”, afirma Peter Sohn. “Temos um cinema enorme na Pixar onde os artistas podem exibir suas imagens. Em termos de inspiração, o nosso amor pelos filmes é o que nos move.”


Cena de ‘Elementos’, da Pixar Pixar/Divulgação

Filho de imigrantes sul-coreanos rígidos, Sohn encara a pressão com a calma desenvolvida ao crescer em Nova York combatendo preconceitos e vendo o dia a dia dos pais. Como diretor de animação, Sohn leva essas experiências da própria infância para “Elementos”.

“Foi minha maior inspiração, uma metáfora visual de uma comunidade diversa”, diz. “O tipo de xenofobia que eu e meus pais sofremos são temas muito mais pessoais do que políticos.”

O cineasta transformou suas experiências íntimas na história de Ember Lumen, uma garota-elemento do fogo que mora com os pais imigrantes na grandiosa Cidade Elemento, onde fogo, água, ar e terra convivem em certa harmonia —mas dentro de uma visível separação.

“Pesquisamos arquiteturas diferentes ao redor do mundo. Prédios do Brasil que possuem designs terrestres maravilhosos e edifícios modernos do Oriente Médio com cascatas no interior”, conta Sohn, acrescentando que a feijoada em São Paulo é deliciosa.

A maior parte do trabalho de pesquisa precisou ser feita no YouTube por causa da pandemia. “Ao contrário de ‘O Bom Dinossauro’, que tive menos de dois anos para produzir, estou fazendo ‘Elementos’ há sete anos”, diz o cineasta.

Seu longa-metragem de estreia, lançado em 2015, sofreu com adiamentos e demissões e foi um dos filmes da Pixar com desempenho fraco nas bilheterias e nas premiações. “Aprendi uma lição valiosa, que é ser mais objetivo. Quando passamos muito tempo vendo e revendo o trabalho, perdemos o foco.”

Como se a pressão para criar uma animação de sucesso durante a pandemia não fosse suficiente, Sohn sofreu uma tragédia ainda maior ao perder os pais no início do desenvolvimento do projeto. “As perdas me abalaram muito, mas precisei continuar trabalhando. Saí um pouco dos trilhos, mas ganhei o desafio de colocar o máximo de amor no filme para honrá-los”, diz.

O amor surge quando a esquentada Ember conhece Wade, um rapaz-elemento da água, num acidente no mercadinho do pai. Caxias e rígido, mas empático e emotivo, Wade precisa multar o estabelecimento, mas ajuda a recém-conhecida a resolver todos os problemas do local. Nesta jornada, os dois se apaixonam como uma versão animada e menos trágica de “Romeu e Julieta”.

A relação do casal improvável também tem inspiração na vida de Sohn. O cineasta se casou com uma ítalo-americana mesmo contra a vontade dos pais, que desejavam que o filho tivesse uma companheira sul-coreana. “Minha mulher é muito apaixonada pelas coisas, e eu sou meio coração mole”, brinca. “Foi assim que tudo começou.”

Mas o cenário, por enquanto, não é promissor para o filme. Apesar de ter sido bem recebido pelos espectadores que foram aos cinemas americanos, ele precisará ter uma rara força de sustentação nas bilheterias para recuperar seu custo de produção, que ultrapassa os US$ 200 milhões.

“Ratatouille” conseguiu isso em 2007, mas a bilheteria de seu fim de semana de estreia girou em torno de US$ 50 milhões. Além disso, os ótimos números de “Super Mario Bros – O Filme” e “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” evidenciam que o mercado para animação está aquecido.


Cena do filme Super Mario Bros. Universal Studios/Divulgação

Não ajuda o fato de fãs preconceituosos estarem em pé de guerra com a Disney, fazendo campanhas nas redes sociais contra filmes como a “A Pequena Sereia” e “Peter Pan” por terem protagonistas que não são brancos ou são mulheres.

“É assustador”, diz o diretor. “Mas a vida criativa é feita disso. Há pessoas reclamando ao redor de tudo que fazemos. Sempre foi assim. Aposto que, para o artista que fez o primeiro desenho na parede de uma caverna, tinha alguém ao lado dizendo que ‘isso não parece um cavalo’.”