Em 2017, PT disse que Moraes era despreparado, parcial e tinha desprezo pelas instituições, e que sua nomeação no STF foi “um profundo desrespeito à consciência jurídica do país”
É muito pouco provável que no Brasil de hoje haja quem nunca tenha ouvido falar de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atualmente presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em eleições fortemente polarizadas como nunca antes vistas na história do país, o paulistano Moraes, de 53 anos, tornou-se alvo principalmente dos apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição — eles criticam fortemente as decisões do magistrado e o acusam de favorecer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O próprio Bolsonaro já chamou Moraes de “patife”, “moleque”, “canalha”, “vagabundo” e “ditador”.
O mais recente capítulo dessa polêmica envolveu uma acusação do ministro das Comunicações, Fabio Faria, de que Bolsonaro teve 154 mil inserções de rádio a menos que Lula, a maioria das quais na Bahia, Estado que deu vitória ao petista. Moraes deu um prazo de 24 horas, terminado nesta quarta-feira, para mostrar provas dessa suposta fraude. O ministro acabou negando a ação da campanha de Bolsonaro.
Segundo Moraes, a ação de Bolsonaro não tem provas e se baseia em levantamento de empresa “não especializada em auditoria”. Também apontou possível “cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito em sua última semana” e mandou o caso para ser avaliado dentro do inquérito das “milícias digitais”, do qual ele mesmo é relator no STF.
Encaminhou ainda a decisão à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) e ao corregedor-geral do TSE. “Para instauração de procedimento administrativo e apuração de responsabilidade, em eventual desvio de finalidade na utilização de recursos do fundo partidário dos autores.”
Bolsonaro, por sua vez, prometeu recorrer até o fim e disse que seu partido deve contratar uma terceira empresa de consultoria para analisar os casos.
“Com toda a certeza, nosso jurídico deve entrar com recurso, já que foi para o Supremo Tribunal Federal. Da nossa parte, iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que as nossas auditorias constataram, que há realmente um enorme desequilíbrio no tocante às inserções. Isso obviamente interfere na quantidade de votos no final da linha”, afirmou Bolsonaro.
O presidente também convocou ministros e os três comandantes de Forças Armadas para uma reunião no Palácio da Alvorada antes de se pronunciar. Saiu sem responder a perguntas de jornalistas.
Nas redes sociais, grupos bolsonaristas reforçaram o argumento de fraude eleitoral e pediram o impeachment de Moraes.
Mas, embora o ministro tenha se tornado hoje o principal alvo da militância bolsonarista, o próprio PT já chamou o magistrado de “despreparado” e “parcial”, quando ele foi empossado como ministro do STF, em 2017 (ler abaixo).
‘Abuso de autoridade’
As principais críticas a Moraes envolvem o que seus opositores chamam de “abuso de autoridade”.
E entre eles não estão apenas apoiadores de Bolsonaro, mas também juristas.
A preocupação gira em torno das decisões de Moraes que chamam de “arbitrárias”, especialmente em relação ao inquérito das fake news, da qual é relator, e de sua atuação como presidente do TSE.
Já parte dos juristas e ministros do Supremo argumentam que diante do alto volume de notícias falsas que circulam nessas eleições, Supremo e TSE precisaram dar agilidade à sua atuação e impedir a circulação de ameaças e desinformação.
Inquérito das fake news
Recentemente, o inquérito das fake news voltou ao noticiário após a decisão de Moraes de voltar a prender o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), que reagiu disparando contra policiais e atirando granadas na direção deles. O inquérito investiga uma suposta organização criminosa digital que atua para desestabilizar a democracia divulgando mentiras e atacando ministros do Supremo e as instituições do país.
No seu despacho, o magistrado afirmou que decretou a prisão após Jefferson violar os termos de sua prisão domiciliar, mas nas rede sociais bolsonaristas lembraram que a prisão do ex-deputado, em agosto de 2021, por Moraes havia sido “ilegal”.
Em pronunciamento, o próprio Bolsonaro, embora tenha chamado Jefferson de “bandido” e tentado se desvincular do aliado, repetiu o argumento de que a prisão de Jefferson não teve, em sua origem, “nenhum respaldo na Constituição” e decorreu “sem atuação do MP”.
“Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP”, escreveu Bolsonaro no Twitter.
Isso se deve ao fato de que, quando Moraes acolheu pedido da Polícia Federal (PF) para prender o ex-deputado, sua decisão prescindiu da manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo ele, porque o MP não havia se pronunciado sobre o pedido dentro do prazo.
Na ocasião, a PGR negou a afirmação de Moraes e, em nota, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que “houve, sim manifestação da PGR, no tempo oportuno” e que “em respeito ao sigilo legal, não serão disponibilizados detalhes do parecer, que foi contrário à medida cautelar”.
Aras também descreveu a prisão de Jefferson como “uma censura prévia à liberdade de expressão”.
“O entendimento da PGR é que a prisão representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal”, acrescentou Aras no comunicado.
Outra decisão de Moraes que repercutiu negativamente entre bolsonaristas foi a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), em março deste ano, motivada por vídeo divulgado pelo parlamentar.
Na decisão, o ministro do STJ afirmou ser “imprescindíveis medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito”.
Naquela ocasião, também destacou que a Constituição não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito.
Bolsonaristas, contudo, afirmaram se tratar de ‘censura’ e cerceamento da liberdade de expressão.