Não é para qualquer técnico ver seus conceitos de trabalho e sua forma de enxergar o futebol se transformarem em substantivo. É bem verdade que o “Dinizismo” é usado tanto em caráter de entusiasmo pelos defensores de Fernando Diniz quanto de forma pejorativa pelos seus críticos, pois ninguém é neutro quando essa delicada questão filosófico-futebolística se manifesta. No entanto, mesmo os mais céticos em relação às ideias do técnico devem admitir que no Fluminense de 2022 o “Dinizismo” encontrou uma espécie de paraíso astral.

É uma mistura de ambiente, necessidades e circunstâncias — também talvez Vênus alinhado com o círculo central das Laranjeiras. Um aspecto importante para a boa fruição do “Dinizismo” vem de antes mesmo da chegada do técnico — e tem a ver com outro colega de profissão: ao conquistar o título carioca sob o comando de Abel Braga, e contra o Flamengo, os tricolores livraram-se de grande parte da angústia em relação ao jejum de taças, deixando um pouco menos árido o caminho por onde seguiria Fernando Diniz. Em nada isso condiciona o mérito do atual técnico, mas toda colheita começa com alguém passando o arado, é sempre bom lembrar.

O fator fundamental para o trabalho promissor, no entanto, talvez esteja na própria identidade do Fluminense: a cada temporada, aos montes surgem talentos forjados em Xerém. Quase sempre com enorme apreço pelo trato com a pelota, o que se apresenta como matéria-prima de inquestionável valor para o desenvolvimento satisfatório do “Dinizismo”. Encurtar espaços, transformar posse em situação de gol, jogar de forma aproximada — tudo isso acontece com maior naturalidade quando executado por quem mantém uma relação íntima com a bola. Em trabalhos anteriores, um dos principais equívocos de Diniz talvez tenha sido justamente tentar forçar uma adaptação ao estilo por elencos com outras características — como se fosse possível tirar lã de uma capivara.

Por esses fatores expostos acima, além de outros tantos menos explícitos, como a reestruturação do próprio clube que a torcida parece abraçar, o Fluminense vive uma atmosfera absolutamente positiva — e essa atmosfera é consequência e ao mesmo tempo causa do sucesso de Fernando Diniz. Nos dezoito jogos no comando do clube, são doze vitórias, três empates e três derrotas (nas últimas seis partidas, seis vitórias). A fase iluminada extrapola o próprio âmbito tricolor, como Neymar deixou claro ao rasgar elogios a Fernando Diniz — os mais exaltados já imaginam o atacante estreando no campeonato carioca contra o Nova Iguaçu.

O cascalho no sapato do “Dinizismo” sempre manifestou-se quando o estilo de jogo não se adaptava às circunstâncias — e mesmo nesse momento de consagração não se pode ignorar as imperfeições, que ficam explícitas com ocasionais gols sofridos pela insistente tentativa de transformar seu goleiro em um Beckenbauer. Enquanto o conceito não for ratificado com títulos, essa fatura sempre será entregue ao técnico, mais cedo ou mais tarde. O que permite ao “Dinizismo” florescer em todo seu esplendor nesse momento é que os tricolores estão dispostos a desfrutar dessa atrevida filosofia baseada em hedonismo, toque de bola e flerte com o perigo. Se na linha de chegada não houver nada mais que um copinho d’água esperando, pelo menos o caminho foi divertido.

Fonte: ge