A pandemia da Covid-19 é um evento de força maior, que afasta a responsabilidade do transportador por eventuais prejuízos decorrentes do cancelamento de voos.
Assim entendeu a 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao confirmar uma sentença que isentou a Latam de indenizar duas passageiras que tiveram voos cancelados no início da pandemia. A decisão foi unânime.
As autoras tinham passagens para o Chile em abril de 2020, mas, como as fronteiras foram fechadas para evitar a disseminação do vírus, não conseguiram viajar. Elas pediram o reembolso integral do valor pago pelos bilhetes, mas só receberam vouchers para uso em até 12 meses.
Em primeiro grau, a Latam foi condenada a restituir apenas parte do valor das passagens. As autoras insistiram no reembolso integral e também na condenação da empresa por danos morais. Os pedidos, no entanto, foram rejeitados pelo relator, desembargador Salles Vieira.
“A pandemia de Covid-19 impactou a atividade econômica mundial e a livre circulação de pessoas, com o fechamento de fronteiras e limitações de voos. Trata-se da ocorrência de um evento de força maior, a afastar a responsabilidade do transportador por eventuais prejuízos decorrentes do cancelamento, nos termos dos artigos 734 e 737 do CC”, afirmou.
O artigo 734 do CC estabelece que o transportador responde pelos danos por ele causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior. Já o artigo 737 diz que o transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.
No caso dos autos, Vieira não vislumbrou a prática de ato ilícito por parte da companhia aérea em relação ao cancelamento dos voos em decorrência da pandemia. Para o desembargador, também não ficou configurado o dano moral.
“Não restou demonstrado qualquer sofrimento que desbordasse de meros aborrecimentos cotidianos, a que todos estão sujeitos quando do convívio social, sendo certo que a mera recusa da ré em proceder ao reembolso não é apta a ensejar, por si só, a indenização”.
Para o relator, o impasse acerca do ressarcimento das passagens aéreas entre as partes não é suficiente para caracterizar a ocorrência de dano à honra das autoras, “máxime diante do fato de estas não terem comprovado nos autos prejuízo algum significativo decorrente do episódio narrado”.
Vieira afirmou que, embora seja compreensível o incômodo, não foi demonstrada outra circunstância a evidenciar que os transtornos tenham ultrapassado o mero aborrecimento: “Não se desconhece a apreensão das autoras em relação ao cancelamento dos voos e empecilhos ao reembolso dos valores, bem como o reflexo que acabam por causar, mas, neste caso, tais sensações são resultado das atividades rotineiras do cidadão”.
Desvio produtivo do consumidor
O magistrado ainda afastou a aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor, conforme argumentado pela defesa. Isso porque, na visão de Vieira, nem toda situação de desperdício do tempo justifica a reação das normas da responsabilidade civil.
“Apenas o desperdício injusto e intolerável poderá justificar eventual reparação pelos danos morais sofridos. E, no caso, vislumbra-se que não há elementos probatórios que revelem o propalado desvio produtivo. Em que pese a alegação das autoras de que a ligação em que se solicitou o reembolso durou mais de uma hora, tal circunstância, por si só, não denota o desvio produtivo”.
Clique aqui para ler o acórdão
1017429-22.2021.8.26.0100